segunda-feira, 20 de setembro de 2010

"Pensei o quanto desconfortável é ser trancado do lado de fora; e pensei o quanto é pior, talvez, ser trancado no lado de dentro."

Virginia Woolf

domingo, 18 de julho de 2010

tenho pouco tempo.
dentro dele, tudo a dizer,
tudo que puder sair voando dos meus lábios,
feito fadas de asas,
feito a música produzida pelo cosmos.
é assim que quero que pareça,
que soe bonito assim,
que pulse, furta-cor, no ar.
tenho pouco tempo,
pouca coragem,
pouca fé.
o amor estilhaçou tudo,
estilhaçou meu tempo,
minha coragem,
minha fé.
mas eu preciso lhe dizer
e por isso fico sempre de cabeça baixa,
olho pro chão, cato os caquinhos
desse meu tempo,
dessa minha coragem,
dessa minha fé.
os cacos de tudo meu tudo em mim
tudo de dentro que o amor estilhaçou.
o amor estilhaçou meu corpo. e meu tempo é pouco.
o tempo de um cigarro:
tudo que a carnadura,
a pouca que me resta, ainda não estilhaçada,
pode ter.
"vou dizer, amor de mim, calma!,
que no tempo desse último cigarro vou dizendo."
choro, na primeira metade do meu curto tempo,
curto cigarro.
ainda sei chorar.
outra metade e perco meu chão,
depois meus pés,
depois os olhos, depois tudo.
o corpo. perco o corpo.
e meus porquês.
você não ficará.
e sabendo disso olho pro chão, então.
meus cacos todos lá,
espalhados novamente. mais estilhaçados.
num ato que, acredito, já ser automático,
volto a recolher caquinhos de vida pelo chão.
e assim, nisso de amar, a cada vez, recolho menos cacos.
uns se perdem, me fogem aos olhos.
morrer deve ser não se ter mais cacos pra recolher.

domingo, 20 de junho de 2010

you don't know me at all

me sinto uma piada. sou uma falsa fortaleza. a falsa madura. a falsa segura. eu sou joão-ninguém, maria-ninguém. eu não tenho ninguém. e não tenho a mim por muitas vezes, porque desacredito de mim mesma a todo tempo, to-do-tem-po, com tanta ênfase desse jeito assim. me sinto no cerne de tudo, no centro de tudo, inserida e, irremediavelmente, não posso sair não consigo sair não sei se quero sair não sei nada. não vou sair, e isso é meio que uma certeza daquelas absolutas e cruéis, maldosas, fatídicas. isso tudo é areia movediça. tenho me sentido cansada, tão cansada... eu sou uma piada.


you don't know me
bet you'll never get to know me
you don't know me at all
feel so lonely
the world is spinning round slowly
there's nothing you can show me
from behind the wall

quinta-feira, 10 de junho de 2010

está o intenso todo interno,
comprimido.
eu nem sequer vomito ele
pra engolir e digerir novamente.
acumulam-se todas as minhas bombas
ultra-explosivas nesse dentro meu.
meu mal-estar é tanto é todo.
é tudo.
careço de mata-dores,
de álcoois, alcatrões,
lixos pro corpo,
deuses pro metafísico.
ânsia linda-podre,
meu drama quer-se vomitado,
me sobe até a goela.
toma-me, então, espasmódica.
e num esforço de quase-morte,
engulo tudo, degusto.
os tempos são novos,
são do dentro.
dói. corrói.
dissolve.
salva (até...).

domingo, 23 de maio de 2010

Andei passeando por quase dois anos pelo meio-do-mato, piamente acreditando que a existência não poderia ser melhor, que amor a flor da pele não poderia ser se não bucólico. Aí vejo que a metrópole-loucura sempre me bateu mais na cara da forma que meu masoquismo, nenhum pouco racionalmente, sempre caçou. Fechei meus olhos por quase dois anos, teorizei tudo, relativizei tudo, na frustrada tentativa de me reconhecer nessas pessoas que se mostraram "presentes" nessa minha nova fase. Eu fui malditamente abrir os olhos e pude me ver no mais ermo que o planeta me deu até então, "num deserto de almas também desertas", mestre. Resolvi abrir os olhos na mais infinita não-existência de poços infinitos, e na ausência de alturas amedrontadoras. Foi nessa porcaria que me enxerguei. As pessoas aqui não gostam disso dos extremos, não conhecem isso. É muito alto pra elas, é muito fundo pra todas elas, elas não podem com isso. Não há do que salvá-las, elas não precisam de salvação, elas estão na superfície e não há na superfície o risco de se afogarem. Eu tô no fundo, mestre, no "poço do poço", como você já me contou. E esse limo daqui do fundo não nos permite subir. Você também sentia isso, mestre? Você subiu algum dia? Queria subir, não pra permanecer na superfície, mas deve haver algo lá em cima depois da superfície. "Deve haver alguma espécie de sentido ou o que virá depois". Você sempre soube muitas coisas, mestre. Quero subir e voar depois de tudo isso que a gente há de passar subindo o poço. A gente demora tanto pra subir, pra cair tão rapidamente. Voar é difícil. Mas não desisto, mestre. Juro. Por você e por Dolores, sei que os cinco segundos de voo são o catalisador de energia pra todas as subidas que faço desde lá do "poço do poço".

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Não sei se vou um dia me adaptar nesse mundo onde nem todos são como Dolores. Meus valores são os valores de Dolores e a moral de Dolores é a minha moral. Ou talvez nossa falta de valores e moral, que acho mais justo dito assim. Nosso sentimentalismo bêbado e egocêntrico é sempre o mesmo e nossa inconsequência não sabe como sobreviver nesse mundo. Tem por aí muita gente que me derruba de amor, mas não há ninguém como Dolores, não posso amar como amo Dolores, não é uma coisa possível. Dolores precisou ir pra metrópole pra saber como amar, eu precisei ir pro meio-do-mato. E foi no meio dessas mudanças que foi acontecer a maldição de estarmos há uns cento-e-poucos quilômetros de distância. Dolores Dolores Dolores, eu poderia repetir seu nome um milhão de vezes, é lindo escrever seu nome pra depois ficar lendo e lembrando lembrando lembrando como é bonito ser Dolores, como é bonito ter Dolores. Vou me atraver, Dolores, me permita me atrever dizendo que eu sou Dolores. Não posso dizer o quanto tenho de mim que é Dolores, mas eu me sinto tão assim sendo você, que eu me atrevo sem medo a te dizer isso. Essa corja toda, Dolores, não pode ser possível que sejam felizes. Esse excesso de moderação, essa falta de inconsequência, essa coisa toda preto-no-branco... É muito conservadorismo, minha amiga, é tanto julgamento que eles fazem, é tanto que eles me cobram. Mas eu deixo a presença de Dolores me rondando, me dizendo que eu faça o que quiser, me dizendo que eles nada sabem, que a gente é feliz assim amando e não se importando com nada além disso. Dolores, é sua presença que me mantém, é por essa sua insistência em mim que (sobre)vivo. Dolores, foi você quem me construiu, me colocou no mundo, me ensinou a única coisa que eu sei fazer direito nessa vida. A gente vai vivendo assim, se tendo e se salvando, que é o que nos resta, como sempre eu e minha Dolores.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

nisso do agora digo
das zil noites de sem-sono
dos frisos e de todo o rodapé
que olho-procuro, me desafio
você ali, quem sabe
no improvável, ínfimo
tudo sendo desvario, o clichê
todos os cigarros e a cachaça
esses que catalisam a devota busca
o devoto irremediável afundar-se
e você não estando ali
nos frisos, em todo o rodapé
dilaceração de saber-te existindo
n'outro outono que não neste, no meu

quarta-feira, 31 de março de 2010

violão-e-árvores

Gotan Project de fundo (pra te provar que há realidade em cada sílaba)

Eu te contei já, eu sei. Contei, sim, não mil-e-uma vezes, uma só, única, indelével, mas contei. Estou mais que certa que contei. Você sabe, sobre suas letras. É muito o tanto que penso em me furtar de comentar sua escrita, seus dizeres. Um medo, um receio de errar, de talvez transparecer que não absorvi do modo que você (quem sabe?) quisesse que fosse absorvido. E é assim, né? Isso de ser indireto até demais no que escrevemos, mas de sempre esperar um mínimo ao menos do saber de alguém, talvez até de que tenha sentido igual-igualzinho o que sentimos ali na palavra posta. Mas acredito que não erro quando digo que tudo seu é um universo de símbolos, você transborda simbologias, signos. É, eu sei, talvez, sua forma de transcrever os sentimentos mais latentes. Mas em você eu sei eu sei eu sei (e fico pensando que sei tudo seu, desculpe) os sentimentos todos são latentes e é só por isso que você existe. Sua existência é latente. Para mim, inclusive. Lateja. Pulsa. Pulsa. As almas não podem ter se enganado dessa vez. Se fosse engano, ai se fosse, seria muito o que teríamos de doer dentro de nós. Você surge assim em mim como o real, o real necessário, infindável... Irrefutável.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

E falei hoje seu nome
e sobre nossas coisas
e hábitos
como se nossos ainda fossem,
como se fosse algo do meu novo cotidiano
e que nele você existisse
latente,
vivo
e presente.
É que pra mim você tá só passando o fim de semana fora,
tá viajando.
Aí amanhã é segunda
e você volta
e abre a porta:
com as malas e o sorriso.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

É que você não me conhece mais. Não sei se, na verdade, um dia desconfiou saber um mínimo, que os mínimos importam por vezes. Nunca soube, talvez. É, nunca soube nada de mim. Não havia em você uma idéia do que ia se erguendo dentro de mim por tudo que éramos juntos. Eu imaginava (imagino, na verdade) que a completude era a história da doação, de que nos conhecêssemos até os ossos, por baixo da pele, conhecendo tudo seu enquanto observava o caminho por dentro das suas veias. E quando chegava no coração sentia que havia sempre algo por aquelas bandas do seu corpo que eu ainda poderia conhecer e que faria mais plena a completude, mais completa a completude. Faria mais completude a completude. A cama de solteiro foi o universo e todo seu gigantismo para que a gente pudesse (eu pudesse) dormir o sono de quem ama, porque você não amava. E não diga que faço um juízo errado do que você sentiu (ou sente, não sei). É esse o juízo do que estava posto em tudo que você transparecia, que era pouco, pouco, infinitamente pouco. Era mínimo e não era dos mínimos que tem importância. No último dia você falou por décadas, falou de um amor seu que nunca esteve vivo nos dias em que buscávamos (eu buscava) a completude. Esse seu choro, essa sua lágrima, esse amor que você confessa, essa saudade e essa dor que você assume te habitarem, essa sua vontade de mim e sua súplica por meu entendimento e meu perdão... Essas coisas... Essas coisas suas tem nelas todo o vazio que consigo buscar em você quando te escuto. Eu preciso pra nós do que é real, da dor e da palavra e do amor e da intimidade e da busca e da completude reais. Reais! Você não ousou existir no real daquilo que era nosso e em nós e pra nós. Você existiu de uma forma sua, que não me atrevo a interpretar e que nem ao menos consigo, mas que digo (dolorosamente!) que não senti essa existência.