quarta-feira, 5 de março de 2008

Eu, salgueiro. Ele, primavera.

Madrugada se foi, quase toda em claro. Depois daquela ligação, que você trocaria o mundo pra não ter tido. Ouviu as palavras e as conclusões que você trocaria o mundo pra não ter sabido. Houve choro sim! Não achava pecado dizer, muito menos vergonhoso assumir. Era um ser humano e ao contrário de quem a causou tudo isso, ela tinha orgulho ao dizer que sente mesmo, tem todos os sentimentos contidos nela, os mais intensos possíveis, os mais dilacerantes, mais indeléveis. E isso sim é digno de ser dito. Não enchia o peito para dizer que a vida é cinza e solitária, não é algo de que se orgulharia ao dizer. Prefere que saibam que vê cores, brilhos, nuances. Mas apesar dos pesares, o último dia não trouxe as tais cores. Não o cinza também, mas trouxe angústia. Era sem cor alguma.
Acordou e não tinha cabeça para a aula. Adiou pra assisti-la à tarde. Não teve cabeça também. Se arrumou e se trocou pra ir a um tal encontro. O encontro que menos quis ter na sua vida, o qual preferia não comparecer, aquele que foi marcado pra ser dito o óbvio e o já esperado. Por sorte ou não, não foi concretizado. Se irritou. Sentiu-se imbecil ali, esperando por alguém que não viria, pra ouvir algo que não queria. Foi embora, então. Caminhou pela Avenida Paulista, pra espairecer talvez. Comprou uma trufa pra comer mais tarde, pois sabia que a tristeza viria e iria de fato precisar de algo que lhe liberasse cerotonina no corpo. Chegou o tal ônibus que a levaria embora. Entrou. Sentou. Olhava o ônibus passar letamente, ponto por ponto, naquele trânsito paulistano digno de ódio. Um homem parado no carro ao lado a olhava, profundamente, sem desgrudar os olhos. Talvez quisesse entender o motivo das lágrimas de uma guria que tinha todas as feições feitas para o riso. Ela olhava as pessoas na rua e todas com uma cara tão sem tempero, sem expressões. Ficou pensando se tinham tristezas dilacerantes contidas em si, pois pareciam ser tão sem graça. Pessoas que não sentem. Em todo o trajeto só um casal, que parecia realmente feliz. Ela mestiça, ele com um toque afro. Adorava isso no Brasil, essa miscigenação. Ficou observando os dois se abraçarem e rirem juntos. Não sentiu felicidade, mas sim tristeza, por não estar numa situação de mesmo gozo. Mais à frente desciam dois homens de um taxi. Estavam conversando, com caras agradáveis. Pensou que os dois provavelmente iriam sentar em algum barzinho, tomar cerveja e dar risada a noite toda. Sentiu tristeza também. Queria estar na mesma situação. E o ônibus andava e observava cada situação, cada encontro, cada desencontro, cada carro, cada prédio, cada luz. Os prédios, esses a irritaram. Todos se impondo, grandes, enormes. Cheios de luzes. Mas eram prédios tão cinzas, tão pretos, marrons... Prédios escuros, apesar das luzes. Era uma iluminação estática, sem movimento, sem poesia. Prédios desagradáveis. Agradeceu quando saiu da Paulista. Próximo ponto, Rua Doutor Arnaldo. Parada ao lado de uma loja de flores. Pensou que queria receber flores. E logo. Fosse por um amor, fosse pela morte. Mas sabia que tão logo não receberia. Isso a irritava. Via as pessoas andando e se agoniava mais do que já estava, com os homens de terno nesse calor tropical, as mulheres de salto pelas calçadas esburacadas. Isso também era irritante pra ela. Essa malditas pessoas que dormiam no ônibus, que silêncio sepulcral. Isso irritava também. Queria o fim, queria não estar ali, não sentir esse aperto, essa agonia. E como de hábito, pensava nas obrigações do dia seguinte, esvaziadas de sentido. As quais nunca parou pra se perguntar "Por que mesmo estou fazendo isso?", só aceitava e fazia.
Queria sentido. Não pra tudo, mas pra pelo menos uma coisa na sua vida. Nada parecia tê-lo, nada mesmo. Isso era irritante. Isso tem a devorado. Por dentro, por fora. Ela não acha a saída. Só grita em silêncio por dentro "Pare! Pare! Chega! Fim!", mas o fim não chega...

4 comentários:

hannah levy disse...

a primavera era egoísta, ostentando seu tamanho, suas flores....tão podre por dentro...


all things must pass away

hannah levy disse...

Um salgueiro, um chorão. A outra, aquela cheia de flores, era uma primavera. Eu lembrei então de uns versos que você gostava de dizer, faz muito tempo. Como eram mesmo aqueles versos que falavam em primaveras, em morrer, em nascer de novo? Como eram, você lembra? - ele perguntou subitamente ansioso e meio infantil, puxando-a pelo pé como fazia às vezes nas manhãs de domingo, quando ela demorava a acordar e ele insistia cantando cantigas inventadas num ritmo de caixinha de música: Venha ver o sol oh meu amor! vista sua saia, vamos para a praia! o dia está tão lindo oh meu amor! hoje é domingo lindo de sol

thaís. disse...

"Ela não acha a saída. Só grita em silêncio por dentro "Pare! Pare! Chega! Fim!", mas o fim não chega..."

ele sempre chega. cedo ou tarde.
e vem uma sensação de alivio (ou vazio?) depois.
mas ele chega.

Miguel Beirigo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.