Saudade do futuro. O futuro que costumava ser tão mais vivível. Saudade, mais específica, do futuro do pretérito. Fariam, conheceriam, brigariam, chorariam, morreriam de rir, de amor, de torpor, entornariam, mas levantariam também, dormiriam, mas depois acordariam... Só em 'iam' acreditavam, mas não 'eram'. Não fizeram, e virou pretérito imperfeito. E tudo virou imperfeito dali em diante.
Tão trágico, tão óbvio, agora são íntimos desconhecidos. Sabem tanto um do outro, dos detalhes mais sórdidos aos mais nobres, um sabe o que o outro diria em tal-situação e o outro sabe o que o um faria em outra-situação. Mas não se conhecem. Não sabem mais se olhar, nem falar, nem agir, nem mentir, nem nada, nem tudo.
Ela pensa em todas as clicherias pensáveis, em dias de frio, moletom, coberta, sofá, meias, filme antigo, abraço. Ele pensa tanto nos 'serás?', será que ainda vale?, será que ainda quero?, será que ainda é como sempre era?, será que acabará de novo?, será?, ou não será?.
E tudo que poderia voltar a ser perde-se entre um ou outro 'será?'. Perde-se nos dilemas. Perde-se nas suposições.
Tanto querem, tanto esperam, fantasiam. Sentem falta, fato. Mas não se permitem. Evitam-se, escondem-se. Enganam-se!
Enganam-se e sabem, hora ou outra vai tocar aquela música-lá há tempos não escutada, vão cair naquele e-mail-lá não apagado, na foto-lá tão (ou nem tão) bem escondida, no cd-lá ganhado há não-se-sabe-quanto-tempo atrás. Sem sequer terem que se ver, se trombarão, sabem. Na lembrança por acaso desengavetada da memória se trombarão. Ou talvez ao olharem o copo de cerveja e pensarem que era assim que ele(a) gostava da espuma. Se trombarão nos bares que forem ao pensarem em quantas vezes já foram juntos, nos boliches, nos cinemas, nas ruas das tais baladas que iam, nas marcas de cigarro, nos números dos lanches do mc donald's, nos amigos em comum, no jeito que ela virava o pé ao não saber ainda usar salto alto e caía na risada na sequência naquela calçada daquela-esquina que ele sabe que passará de novo, no jeito que ele ria e andava desengonçado quando ficava bêbado no boteco que ela sabe que irá de novo. Talvez não em pessoa, mas se trombarão uma hora dessas (ou muitas horas dessas). Não existiram tanto quanto deveriam ou queriam existir. Mas existiram. Existiram o suficiente pra sentirem essa coisa estranha e sem definições que é a saudade. Agora também existem. Separados.
5 comentários:
"A eternidade é engraçada, cara. Ela é eterna, só que não é a mesma pra sempre. Ela vai se desfacelando, se desintegrando... Na verdade, eu acho que somos nós que vamos ficando meio deslocados nela, e ela só vai perdendo o foco. Ou ganhando, sabe-se lá. O fato é que chega uma hora em que a pessoa simplesmente larga mão daquele negócio de 'pra sempre'. Aí que o pra sempre começa a comer o agora, a envenenar a cabeça da gente com merda de paradoxo."
in: Eculubrações (inédito)
respondendo seu comentário: tem coisa que é melhor não dizer, e os nós são os breques naturais que criam os limites. tanto se escreve/diz, e não se consegue expressar td o que se sente, e o que se sente se transforma muito mais rápido que as construções frasais, e o que se ia dizer já não é verdade quando acaba de ser dito, e a gente se perde num mar de impressões sem pontos cardeais.
já no espírito desse post, o que me martiriza são os romances que eu construo e que morrem antes mesmo de existir. e como é possível se sentir mal pelo que ainda não foi, e pelo jeito nem nunca sera? (com o perdão do pleonasmo).
acho q a partir do momento que a gente imagina algo possível, ela meio que acontece pra gente, e como é bom, a gente quer mais. e é um bis que por variáveis externas nunca vem. afinal elas têm que ser externas! a culpa é sempre dos outros.
e eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. como desconhecidos íntimos, como um poema épico ao contrário, romance-romantico paralisado, perdido no tempo. estou tão desfalecida, desintegrada, deteriorada, descalça. não há nada mais doloroso do que recordar dos tempos de glória na miséria, no sofrimento.
' saudade é felicidade abafada, futura. '
ja disse o poeta.
o amor me levou todo o raciocínio lógico, a natureza humana me incomoda, por isso parei no tempo ouvindo os sons familiares
:)
graça, as suas palavras são como um feixe de luz. Iluminam os olhos, de verdade.
Cê tem talento, sabe disso!
Uma graça, realmente uma graça.
E triste como uma saudade que dá vontade de sentir de novo :]
beijo, querida :)
amores intensos e eternos. existem sem que a gente queira, ou perceba ou deseje.
os mais dilacerantes e avassaladores e sem-fim de todos os amores são sempre os primeiros, né?
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