terça-feira, 20 de maio de 2008

i took ya places round the world

Saudade do futuro. O futuro que costumava ser tão mais vivível. Saudade, mais específica, do futuro do pretérito. Fariam, conheceriam, brigariam, chorariam, morreriam de rir, de amor, de torpor, entornariam, mas levantariam também, dormiriam, mas depois acordariam... Só em 'iam' acreditavam, mas não 'eram'. Não fizeram, e virou pretérito imperfeito. E tudo virou imperfeito dali em diante.
Tão trágico, tão óbvio, agora são íntimos desconhecidos. Sabem tanto um do outro, dos detalhes mais sórdidos aos mais nobres, um sabe o que o outro diria em tal-situação e o outro sabe o que o um faria em outra-situação. Mas não se conhecem. Não sabem mais se olhar, nem falar, nem agir, nem mentir, nem nada, nem tudo.
Ela pensa em todas as clicherias pensáveis, em dias de frio, moletom, coberta, sofá, meias, filme antigo, abraço. Ele pensa tanto nos 'serás?', será que ainda vale?, será que ainda quero?, será que ainda é como sempre era?, será que acabará de novo?, será?, ou não será?.
E tudo que poderia voltar a ser perde-se entre um ou outro 'será?'. Perde-se nos dilemas. Perde-se nas suposições.
Tanto querem, tanto esperam, fantasiam. Sentem falta, fato. Mas não se permitem. Evitam-se, escondem-se. Enganam-se!
Enganam-se e sabem, hora ou outra vai tocar aquela música-lá há tempos não escutada, vão cair naquele e-mail-lá não apagado, na foto-lá tão (ou nem tão) bem escondida, no cd-lá ganhado há não-se-sabe-quanto-tempo atrás. Sem sequer terem que se ver, se trombarão, sabem. Na lembrança por acaso desengavetada da memória se trombarão. Ou talvez ao olharem o copo de cerveja e pensarem que era assim que ele(a) gostava da espuma. Se trombarão nos bares que forem ao pensarem em quantas vezes já foram juntos, nos boliches, nos cinemas, nas ruas das tais baladas que iam, nas marcas de cigarro, nos números dos lanches do mc donald's, nos amigos em comum, no jeito que ela virava o pé ao não saber ainda usar salto alto e caía na risada na sequência naquela calçada daquela-esquina que ele sabe que passará de novo, no jeito que ele ria e andava desengonçado quando ficava bêbado no boteco que ela sabe que irá de novo. Talvez não em pessoa, mas se trombarão uma hora dessas (ou muitas horas dessas). Não existiram tanto quanto deveriam ou queriam existir. Mas existiram. Existiram o suficiente pra sentirem essa coisa estranha e sem definições que é a saudade. Agora também existem. Separados.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

"...está na fantasia dos infelizes" (Chico Buarque)

Digo que não temo. Minto. Temo e sinto. Sinto aperto, entende? Aperto pelo vazio que sei, se fará sempre presente. Amores outros virão, sem dúvidas, sempre vem, tem que vir, faz parte do ciclo. Mas nada nunca será de tudo igual. Tudo sempre será de nada igual.
Burrice é crer que outro seria como o primeiro-verdadeiro, como aquele que te molda mais do que entenda e compreenda o porquê. Esse tal primeiro-verdadeiro é o que em tudo é dilacerante. É na saudade, no querer, no ter e no não ter, no ser, no tentar ser, no fingir ser e, nesse fingir, mostrar mais do seu real e intrínseco do que mostraria no seu suposto ser-você-mesmo. As esperas são dilacerantes, as despedidas, os reencontros, a intensidade, a eternidade em que se crê existir, o temer de que o fim exista também... Tudo, tudo. Tudo nos dilacera.
E fica na garganta, preso, em nó, o que se pensa que se fosse dito, mudaria algo.
Diria Bilac, "Ah! quem há de exprimir, alma impotente e escrava, / O que a boca não diz, o que a mão não escreve?"
Diria C. F. Abreu, "Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio?"
Eu digo, "Volta, escuta, fica, não vá mais!"